Eu, Livro



Saí do armário, voltei pro armário, saí de novo e agora a caminho da prateleira.

Pulando de móvel em móvel, me sinto como um livro, paradoxalmente imóvel, no meio deste caminhão de mudanças que é minha vida.

Será que ficarei na prateleira ou posso ser livro de cabeceira?
Estarei ninando os sonhos antes que eles cheguem ou ficarei exposta às traças e à poeira do tempo, que vez ou outra pode ser removida pelo folhear de algumas páginas?

Sei que não sou nenhum Garcia Marquez, Carlos Drummond, e quem me dera ser Fernando Pessoa.

Mas sei contar uns contos, brincar com as palavras, escrever em linha reta e ficar em pé sozinha, como todo bom livro deve ser.

Não sou uma revista feita só para entreter o leitor que, entediado, passeia por minhas páginas só como passatempo.

Não, sei que sou um livro que merece ser lido, diariamente, ao lado da cama, que aguarda o cheiro das mãos entre as páginas, que reconhece os olhos quando é aberto.

Sei, sim, que mereço leitora ou leitor mais fiel, que me leve na bagagem da viagem, que não me esqueça na estante da sala.

Afinal, sou eu quem, naquele banco do parque escuro, 
ilumino os pensamentos e substituo a solidão 
de minha leitora ou de meu leitor amante que, 
no afã de descobrir-se, busca em mim o espelho de si.

Sou sim, este livro, aberto e gasto,
de páginas desbotadas alegremente por meninos e meninas.
De letras faladas como beijos trocados entre eu 
e os olhos de quem lê,
como aquele romance, intenso enquanto lido, 
e eterno enquanto lembrado.



Foto: Parc de la Ciudadela - Barcelona

Comentários

Tales Valério disse…
Muito interressante Selma.Gostei muito desse texto.Ele abrange qualquer área da vida de qualquer um.Eu não conhecia esse seu dom,parabéns por ele.Minha sempre primeira diretora.

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